Exatamente o que o médico pediu

A história da marca Co/Struc no setor de saúde, que 50 anos atrás abriu um precedente para o futuro


Escrito por: Amanda Belo

Arte final por: Acervos de Peter Hoffman e Herman Miller

Garage in designer Jack Kelley’s home with Co/Struc system and multicolored storage drawers, USA flag on the right.

O ano de 1969 preencheu muitas páginas nos livros de história. Marcou o fim de uma década tumultuada, definida pela revolução cultural e revolta social. 

Avançando um pouco mais, descobriremos que 1971 também não foi um período calmo. A Disney World foi inaugurada, o McDonald’s introduziu o Quarteirão com queijo, a NPR fez sua primeira transmissão e a Barbie foi para Malibu. Nike Swoosh, Amtrak, FedEx, NASDAQ e Starbucks fizeram a sua estreia. Greenpeace e Médicos Sem Fronteiras foram fundados para responder às crises humanitárias no mundo todo. Os Emirados Árabes Unidos declararam sua independência, as mulheres suíças ganharam o direito de votar e a Suprema Corte dos EUA adotou o transporte escolar como uma abordagem constitucional para integrar escolas. O campo da tecnologia testemunhou a invenção da calculadora de bolso, dos disquetes e do microprocessador comercial. Não esqueçamos do e-mail.

O ano de 1971 também presenciou uma série de avanços médicos que melhoraram a vida de milhares de pessoas, desde exames de TC e lentes de contato macias até a vacina tríplice viral. Um produto discretamente ambicioso chamado Co/Struc surgiu na mesma época, projetado especificamente para o setor médico. Concebido pelo pesquisador Robert Propst com a ajuda do designer industrial Jack Kelley, o Co/Struc deixou sua marca no setor de saúde, melhorando a vida profissional de todos em instalações de atendimento a pacientes.

Black and white candid photo of Jack Kelley and Robert Propst, leaning on Action Office surface.

Designers Jack Kelley e Robert Propst da Co/Struc conversando, c. 1989.

“Áreas de inadequação e falha graves”

Voltemos para o final da década de 1950. O presidente da Herman Miller, D.J. De Pree estava procurando expandir o portfólio da empresa após o sucesso dos produtos projetados por Charles e Ray Eames, Alexander Girard e George Nelson. Basicamente, o ganha pão da empresa eram as cadeiras, mas De Pree não queria depender de uma única categoria de produto no caso de uma queda nas vendas.

O encontro casual de De Pree com um personagem excêntrico chamado Robert Propst quando participava da Conferência Internacional de Design de 1958 em Aspen, Colorado, levou a Herman Miller a explorar outras áreas diferentes da dos assentos. Propst era curioso por natureza, antenado no que era realmente inovador. Autointitulado “pesquisador”, era conhecido por sua busca incansável em resolver problemas e intolerância pela perda de tempo e ineficiência. De Pree acabou nomeando Propst como diretor da recém-formada entidade Herman Miller Research Division (HMRD) em Ann Arbor, Michigan, para explorar melhor seu ponto de vista.

A HMRD explorou vários campos de pesquisa, incluindo, mas certamente não se limitando a móveis. Nos primeiros dez anos, Propst e sua equipe embarcaram em cerca de 30 projetos, um dos quais estudou a produtividade humana , resultando no desenvolvimento do Action Office.

Propst standing outside in front of a building with light blue siding, two windows with white frames, a screen door with white frame, and white sign with Herman Miller red logo and black lettering that reads 'Herman Miller, Inc. Research Division, 2285.'

Propst em pé, do lado de fora do prédio da Herman Miller Research Division em Ann Arbor, Michigan, c. 1960.

Research study drawing for 'HMRC-1, Body Location pattern' with graph.

Estudo do padrão de localização do corpo, demonstrando o efeito da “arena de trabalho” de Robert Propst, c. 1963.

Em 1960, Propst teve hérnia de disco na coluna e foi parar no Hospital Universitário de Ann Arbor. Confinado em um quarto de hospital, Propst (óbvio!) não conseguia controlar sua mente inquieta. Ele se autodenominou etnógrafo líder e tomou nota de tudo o que viu relacionado às funções do hospital, observando de perto como as pessoas se moviam e trabalhavam. Evidentemente, a equipe do hospital ficou nervosa e desconfiada ao ver uma pessoa anotando todos os movimentos sem explicação. Mas a estadia de Propst como paciente seria uma das melhores coisas que aconteceria aos médicos e à equipe do hospital.

Propst voltou ao seu departamento de pesquisa pensando nos hospitais , especificamente nas “áreas de inadequação e falha graves”. O Hospital Universitário acabou se tornando um parceiro de pesquisa para as ideias e conceitos de Propst. Ele vendeu à administração do hospital os benefícios dos componentes do Co/Struc que estavam em desenvolvimento: projetos para armários, carrinhos e sistemas de comunicação. Mas antes ele só precisava convencer a administração da Herman Miller a assumir o risco e entrar na área da saúde. 

Woman in hospital bed sitting up and writing. On the left, yellow Eames molded plastic chair. On the right, Co/Struc overbed arm tray, arm-mounted nurses’ call, trimline phone, solid-state TV, and patient sub-shelf. Waste bag on wire hanger. L cart with storage drawers. Blue curtains in the background.

Primeiros protótipos do Co/Struc sendo testados na área do paciente, c. 1966.

O primeiro indicativo do potencial da pesquisa de Propst, o Action Office (ou “AO1”), chegou ao mercado em 1964. O design foi ajustado posteriormente e evoluiu para o mais bem-sucedido AO2 em 1968. Com esse sucesso, veio a descoberta de que seus componentes podiam ser aplicados a uma variedade de ambientes, principalmente por causa de sua modularidade e adaptabilidade. Mais tarde, a empresa voltou a desenvolver o Co/Struc, que estreou oficialmente em 1971 e lançou a Herman Miller no mercado da saúde.

Co/Struc L cart with a C-frame and blue drawers next to Action Office workstation with overhead storage, with Equa chair.

Co/Struc converge para a estação de trabalho Action Office que converge para a cadeira Equa.

“Não há nada igual”

Em sua forma mais simples, o Co/Struc é um sistema de contêineres, estruturas, carrinhos e trilhos. Foi o primeiro exemplo de um sistema móvel e modular projetado especificamente para ambientes da área de saúde. Segundo Propst, sua modularidade pretendia “resolver vários problemas inter-relacionados com elementos que produzem resultados melhores e influenciam por seu impacto coletivo”.

Durante seu tempo à frente da divisão de pesquisa, Propst estabeleceu nove critérios que formaram a base para o Action Office e o Co/Struc. Esses nove critérios não apenas permitem a adaptabilidade, mas também fornecem uma base teórica para o sucesso desses produtos, tornando o Co/Struc difícil de reproduzir sem considerar seus princípios.

Archival black and white portrait of Robert Propst, seated at a desk leaning forward with the palm of his hand over mouth.

Robert Propst, c. 1989.

Os nove critérios de Propst

  1. Indulgência: soluções que permitem mudanças
  2. Coerência: soluções com elementos que funcionam em conjunto e se integram com outros sistemas
  3. Encaminhamento de processos: soluções que facilitam e tornam intuitiva a execução de tarefas
  4. Modularidade limitada: soluções que requerem mínimos componentes, mas com função e capacidade máximas
  5. Adaptabilidade: soluções que respondem a novas situações e necessidades sem interromper a continuidade visual
  6. Disponibilidade: soluções que continuam a fornecer o que é necessário e quando é necessário ao longo do tempo
  7. Substituível: soluções com componentes fáceis de desmontar e aprimorar sem perder o investimento inicial
  8. Progressivamente editável: soluções que podem ser atualizadas no ritmo desejado
  9. Renovação de instalações : soluções que ajudam a converter instalações existentes para novos usos e/ou implantar novos recursos em uma instalação

Para colocar um hospital nos padrões de Propst, o Co/Struc precisava resolver seis áreas principais de problemas: sanitização, obsolescência e falha, serviço personalizado, transporte e abastecimento, uso humano e estética. Depois, aplicavam-se os nove critérios universais para criar o sistema certo do qual as instalações de saúde se beneficiariam. 

Quanto à sanitização, os materiais tradicionais usados para a mobília (e a forma como eram montados) tornavam a maioria dos móveis (como a estrutura da cama em madeira) difícil, senão impossível de higienizar usando “procedimentos razoáveis e rotineiros”. O Co/Struc é separável, perfeito, sem cantos e drenável. Todas as superfícies, bem como os componentes individuais que podem ser levantados e pendurados na parede, foram produzidos para facilitar a limpeza. As estruturas e carrinhos de coleta de lixo também são laváveis. “Nós enfermeiras, ficamos em êxtase”, relata Janet Ziegler, enfermeira líder aposentada, RN, MN, MBA e EDAC. “Fácil de limpar, organizar e mover ... Uau!” 

Em sua essência, cada elemento do Co/Struc é fácil de usar e não requer um treinamento extenso para reconfigurar, o que acontece com bastante frequência, considerando que cada paciente, médico e departamento clínico tem necessidades diferentes. Os equipamentos embutidos de tamanho único são inflexíveis por natureza. O Co/Struc resolve esse problema com sua adaptabilidade intrínseca: os componentes podem ser reconfigurados e reajustados para atender a uma variedade de necessidades. Por exemplo, os trilhos são ajustáveis na altura e podem ser montados em paredes. Da mesma forma, os carrinhos fornecem um lugar para cabides móveis. 

“Este produto pode ser levado para qualquer lugar de um hospital”, explica Jim Wright, o agora gerente de vendas aposentado da área de saúde da Herman Miller. “Se não precisavam de um armário na sala de cirurgia, esse mesmo componente podia ir para outro andar e ser usado no pronto-socorro . [Não era necessário] muito dinheiro para fazer as mudanças. ”O Co/Struc acabou entrando também em laboratórios, farmácias e escritórios administrativos.

Archival photo of a man in white lab coat pulling Co/Struc lockers on transport cart in motion. Co/Struc wall-mounted open lockers with drawers in red, yellow, blue, and white background. Blue sign on the wall with white lettering that says 'clean holding.'

Armários e carrinhos Co/Struc em uma despensa organizada de hospital, c. 1972.

Lab room with a clinician in white coat, white coat hanging, Co/Struc system with overhead lateral storage, wall- and cart-mounted storage, and drawers in red, blue, and yellow. Two red stools with white back and black frame.

Co/Struc no laboratório, c. 1972.

Componentes que podem ser removidos e substituídos individualmente também eliminam a inevitável obsolescência. Os ambientes da área de saúde são conhecidos pelas mudanças constantes, o que significa que os equipamentos se tornam desatualizados e menos atraentes muito antes de falharem. “Ninguém tinha nada parecido ... Eu poderia pegar um gaveteiro em formato de C e, se estragasse, o cliente poderia substituí-lo”, diz Wright. “Essa foi a missão [de Propst]: um verdadeiro sistema.”

Também há a questão da oferta e da demanda. Os hospitais podem precisar de entregas rápidas, e as equipes em movimento inevitavelmente terão urgência de certos materiais. Propst planejou o sistema Co/Struc para controlar o ciclo completo de gerenciamento de materiais. Os gaveteiros e carrinhos podem ser usados como contêineres de transporte e carregados com suprimentos para serem distribuídos onde for necessário.

Two members of clinical staff in blue scrubs in a hospital storage room with Co/Struc System L cart with orange drawers, open and closed wall-mounted lockers with yellow and orange drawers, lockers on transport carts, table with wheels, storage with yellow and blue cabinets underneath.

Co/Struc e o gerenciamento de materiais, c. 1972.

Fundamentalmente, o Co/Struc foi projetado levando em consideração a estética: um design claro e limpo com gaveteiros disponíveis em uma paleta de cores para um apelo visual (beleza) e codificação de cores (utilidade). A questão do lixo e da roupa de cama suja não é apenas um problema de sanitização, ela pode produzir uma imagem assustadora. O Co/Struc forneceu contêineres fechados atraentes e estruturas de cabide para armazenar itens contaminados. Propst usou o termo “esquizofrenia visual” para descrever o ambiente hospitalar comum , porque não havia um espaço que fosse atraente para os pacientes e alojasse todas as funções técnicas e de serviço.

Como um todo, o Co/Struc introduziu um novo padrão de desempenho para os móveis da área de saúde: Atraente. Higienizável. Lavável. Separável. Substituível. Empilhável. Portátil. Acolchoado para absorver o impacto.

Atraente. Higienizável. Lavável. Separável. Substituível. Empilhável. Portátil.

Mirrored exam rooms, left wall blue, right wall yellow. Co/Struc system nurses station with surface, wall- and cart-mounted storage, and drawers. Exam room supplies and seating.

Co/Struc na sala de exames, c. 1975.

Quem não arrisca não petisca

A Herman Miller teve um aumento acentuado em sua receita no final dos anos 60 e 70 devido ao sucesso do Action Office e do Co/Struc. A transformação de uma empresa de objetos em uma empresa de sistemas elevou as vendas de US$ 20 milhões para mais de US$ 230 milhões. Foi um grande sucesso , e não teria sido possível sem a confiança da Herman Miller em Propst, assumindo um risco ambicioso.

“Propst sugeriu que visitássemos os hospitais, pois não tínhamos experiência e nada sabíamos”, diz Joe Schwartz, que supervisionou o departamento de marketing e vendas da Herman Miller de 1954 a 1986. “Mas Propst era um comunicador muito eficaz, então ele conseguiu permissão para continuar trabalhando no desenvolvimento e na pesquisa”. 

E valeu a pena.

Archival bi-fold brochure advertisement for Coherent Structures, black background, white typeface. Center photo is Action Office System in red table, two Eames Aluminum Chairs in orange, two clinicians talking. Small photo on the upper left is of Co/Struc System in hospital hallway.

Catálogo do Co/Struc, c. 1972.

Ficamos atordoados ao pensar em todas as mudanças no último ano, quanto mais nos últimos 50. O ano de 1971 foi o início de uma corrida em termos de novas tecnologias que transformaram a maneira como as pessoas e as indústrias funcionam. Durante essa era de mudanças, o Co/Struc tem sido uma constante. Seus princípios de design, radicalmente diferentes quando Propst os concebeu pela primeira vez, mantiveram seu espírito moderno. A modularidade e a reconfigurabilidade do sistema sustentaram sua relevância. Com pequenos ajustes e iterações ao longo do tempo, o sistema ainda está em uso e é demandado por profissionais de saúde até hoje.

“Quando se executa a melhoria contínua, precisamos de um ambiente que possa suportar facilmente a mudanças contínuas”, diz Roger Call, que encerrou sua carreira de 35 anos na Herman Miller em 2020 como Diretor de Arquitetura e Design da Área de Saúde. “Que por acaso, é a essência do Action Office e do Co/Struc, graças a Bob Propst. Como nossos clientes estão passando por mudanças contínuas, eles valorizam a capacidade de refazer, reconfigurar e reaproveitar as instalações. ”

“Como nossos clientes estão passando por mudanças contínuas, eles valorizam a capacidade de refazer, reconfigurar e reaproveitar as instalações. É a essência do Co/Struc, graças a Bob Propst.”

—Roger Call, Diretor de Arquitetura e Design da Área de Saúde (agora aposentado)

Observações
1. Herman Miller, Co/Struc: sistema de estruturas coerentes para hospitais, Herman Miller, Inc. 1967
2. Herman Miller, Estudo de solução: vidas simples em configurações adaptáveis, https://www.hermanmiller.com/content/dam/hermanmiller/documents/solution_essays/se_lean_lives_in_adaptive_settings.pdf. 2016, 4-6